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Um ritual satânico!

  • 24/06/13
  • 15:00
  • Atualizado há 564 semanas

Por Ulysses Guariba

(junho 013)

Bom lembrar histórias para ilustrar o infernal ritual satânico da vida política brasileira: as relações entre executivo e legislativo. De um lado, o presidencialismo imperial, de outro, a representatividade chocha do parlamento, fruto das eleições proporcionais e da brutal fragmentação dos partidos políticos que crescem como capim no pasto sem a boiada para devorar as touceiras.

Bom deixar bem claro. Políticos especiais marcaram com dignidade a história política recente da República. Muitos lutaram bravamente pelo futuro político do país. Gosto de lembrar um de minha especial recordação: Ulysses Guimarães. Aceitou dirigir o então minguado MDB em 1970 e transformou-o no maior movimento da historia da lutas políticas do país. Defendia idéias e propostas, traçava rumos certeiros. Sabia ler as nuvens moventes da política brasileira. Compôs alianças, valorizou talentos e bem orientou a política nacional. Nunca sucumbiu ao toma lá dá cá da podridão da prática política atual do lulismo.

Lembrem! Chegou até a controlar o Roberto Cardoso Alves, herança da ditadura, que pulou para o lado dos democratas quando navio começou a fazer água. Lembram do seu despudor ao citar o evangelho? "É dando que se recebe!" Com Ulysses, Robertão andava de cócoras..

O ano de 1982 foi decisivo. Os governadores dos Estados foram novamente eleitos pelo voto popular. Em São Paulo, assumiu o Montoro. O poder executivo herdava a hipertrofia dos anos da ditadura, quando centralizou o poder e marginalizou o poder legislativo. O legislativo fora mantido como fachada, após ser punido com cassações, fechamento do Congresso, dissolução dos partidos e toda a sorte de artimanhas que se sucederam nos anos negros do regime ditatorial, culminando com o Pacote de abril 1977 nos estertores do regime autoritário. O legislativo estava marcado pela tensão entre a oposição com o PMDB e a situação com o PDS alinhavando os herdeiros do regime militar. A fragmentação das estruturas partidárias foi estratégia terminal do regime militar para tentar dividir o PMDB. Começaram a surgir os novos partidos: PDT, PTB, PT...

Durante o governo Montoro e o governo Quércia a ação do executivo pautou-se pela estratégia de reforçar a vida da democracia e modernizar e reordenar a administração. Houve alianças e formação de blocos de governo, mas nunca houve chantagens, voracidade de cargos, negociatas exuberantes com o dinheiro público tal como ocorre hoje. Recordo de um deputado que pleiteou ao líder do governo Quércia, que queria "receber o seu" para votar um projeto. O líder respondeu: "Fale com o chefe!" Enfiou a viola no saco e não mais tocou no assunto. Hoje a bandalheira sobe pelas paredes dos legislativos nacionais. Escândalo nacional!

Quando Lula assumiu o governo, depois de ser deputado federal e informar que no Congresso havia 300 picaretas, a visão das relações entre executivo e legislativo passou a se vigida pela absoluta falta de ética. Compram-se apoios com grossas prebendas, com loteamento de cargos e vantagens financeiras por toda a máquina administrativa da República. Quem comandou a furdúncia com despudor: o ministro José Dirceu. Lógica prepotente: "Ganhamos a eleição, compramos todo mundo!" Apanhado com a boca na botija levou um pé na bunda. Prática iniciada com o "mensalão", julgada e condenada sob a batuta do ministro Joaquim Barbosa..

O governo Lula continuou a reiterar a prática. Quem duvida? Canalhas comprando canalhas. As práticas espúrias continuaram a prevalecer, justificadas agora para garantir a governabilidade. A República petista foi fundo: chafurdou na lama do chiqueiro da fisiologia. As práticas reproduziram-se por todo mandato. Passou a canalhice para a fantoche Dilma, que tentou encenar moralidade, mas logo "caiu na vida". Comanda mal, hoje, uma grande base no legislativo. Base insaciável, sedenta, ávida de saquear os cofres públicos. A revolta pelo Brasil tem percepções, sentimentos e razões profundas. Multidões não se mobilizam por preço dos ônibus.

Há anos passados, diante da expansão da baixa classe média, os talentosos alertaram que as demandas sociais seriam permanentes e cada vez mais exigentes: educação de qualidade, saúde competente, serviços públicos modernos e eficientes, lazer, cultura... Tudo muito claro. Sem surpresas. Não há espanto neste segmento da sociedade brasileira. A enganação da Bolsa Família conseguiu arregimentar eleitoralmente a miséria. Vai ser difícil ludibriar as classes sociais ascendentes no país. Por sinal estamos todos nas ruas, aos milhões nas ruas do país.

Os economistas são mais pragmáticos. A inflação, que devora os salários e trás de volta a lógica da recomposição dos preços, está na origem das manifestações exuberantes. Bom mas muito simples.

Creio que o mais grave é a ruptura da política com a sociedade. O Governo Lula e o governo Dilma estabeleceram uma relação com a sociedade mediada pelos marqueteiros contratados a preço de ouro. A velha crença que podemos manipular a todos por todo o tempo. As relações tornaram-se fantasiosas e falsearam a relação com a realidade. De um lado governo, mediação da mídia e dos marqueteiros, de outro o povo brasileiros com suas dificuldades, seus problemas seus impasses suas dificuldades. Lá longe o poder enganando, ludibriando, corrompendo, malversando os recursos públicos. Do lado de cá, as agruras da desigual, injusta e sacrificada sociedade emergente..

Esta ruptura foi claramente percebida pela sociedade brasileira. Não há volta. O mundo da fantasia e do ludibrio foi para o brejo. Novos tempos vão suceder a farsa da marquetagem. Bom que vamos voltar à realidade do Brasil. Mas nada é tão simples. Alguns idiotas do óbvio acreditam que com a redução das tarifas as consciências e as mentes estarão apascentadas e que o saque dos radicais serão os instrumentos para trazer à ordem todos os cordeiros e amortecer as demandas. Grande equívoco. O Brasil virou uma página da sua história. Muito bom!

Ulysses Guariba. Professor aposentado da USP

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