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Setembro Amarelo

José Benjamim

  • 15/09/17
  • 20:00
  • Atualizado há 340 semanas

"Mesmo na Arcádia, existe a morte." (Guercino)

"Mesmo na morte, pode haver a Arcádia." (Fragonard)

Setembro abre a primavera: jabuticabas, uvaias, amoras, quaresmeiras, ipês, azaleias e tantos

outros frutos maduros e flores desafiando o vento. A natureza em setembro é uma dança de

cores despedindo-se do inverno, anunciando um novo ciclo da vida. Como pensar na morte,



em setembro? Como pensar em suicídio, em setembro? Como imaginar uma dança de morte

em meio a uma dança de flores? No entanto, mesmo que o sol nos aqueça a pele e as cores de

setembro enfeitem nossos olhos, todos nós estamos sujeitos aos ataques da tristeza e da

depressão, mesmo em setembro. A angústia não tem tempo para chegar, nem hora para nos

abandonar.

Não tenho compromisso com a tristeza, o que não me livra, porém, de momentos negros , de

desolado desânimo, amarga bílis, ou vertiginosa, ainda que passageira, angústia. Angústia:

estreitamento de caminhos, falta de ar e de perspectiva, agonia, peso nem sempre

identificável, esmagando a alma e, às vezes, o corpo. Quem não tem esses momentos? Que

fale Chico Buarque na sua Roda Viva: "Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou

morreu/[....> A gente quer ter voz ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda-

viva/E carrega o destino pra lá/[....> A gente vai contra a corrente/Até não poder resistir/[....>".

A torcida é para que as horas negras não sejam definitivas e irremediáveis, nem coloquem em

risco o amor pela vida. Mas quem garante? A depressão e a melancolia, demônios do meio dia,

como eram chamadas na Idade Média, são às vezes mais poderosas do que o instinto de

sobrevivência. A História registra que, no período medieval, muitos monges, cansados da

solidão e da vida rotineira nos mosteiros, caíam em profunda melancolia, prostração e

desânimo. O fenômeno, conhecido por acédia, era considerado pecado grave e uma grande

preocupação para a administração da Igreja da época, que buscava combatê-lo, pois levava os

monges atacados por esse mal a descuidarem de suas obrigações religiosas e cotidianas e até

mesmo a terem surtos de desequilíbrio mental em que passavam a blasfemar. Hoje, sabe-se

que a acédia e suas variantes não são pecados da preguiça e do desleixo, como se entendia na

época, mas doenças que demandam cuidado e tratamento.

O grande problema é que o deprimido grave nem sempre tem consciência do fundo do poço a

que chegou, nem forças para resistir ao sorvedouro que o puxa. Pior: as pessoas de seu

convívio, parentes e amigos, que o amam e que poderiam ajudá-lo a superar o mau momento,

nem sempre têm sensibilidade suficiente para perceber os sinais amarelos que prenunciam o

provável gesto desesperado.

As cores de setembro são um grito de alegria, mas, paradoxalmente, também um brado de

advertência. Mesmo na alegria temos que estar atentos aos sofrimentos do outro, para tentar

intervir quando os sinais dispararem, e ajudá-lo a transformar a inevitável presença do

sofrimento e morte que nos ronda permanentemente, em tranquilidade da alma e alguma paz

que nos garanta o primado da beleza da vida.

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