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Lava Jato: meio shake, meio Quixote, meia pizza

José Benjamim

  • 24/10/17
  • 06:00
  • Atualizado há 339 semanas

2016/2017 talvez fiquem como o biênio divisor de águas para o povo brasileiro e sua república meia boca. Crise econômica, impeachment candango, epidemia de zika, lama de Mariana, malas e malas de dinheiro vivo circulando indecentemente, gravações clandestinas, traições e mais traições, e, principalmente, a Lava Jato, em todas as suas dimensões, desnudaram cruelmente a tragicomédia da vida social e política nada republicana brasileira. Parece que quase nada sobra de bom nesses 30 anos de nova república, o que não significa (vade retro) que a ditadura militar era melhor.

A Lava Jato tem sido nosso liquidificador, batendo freneticamente o indigesto milk-shake. Implacável centrífuga, triturando as mazelas do indecente sistema antirepublicano que uniu políticos, grandes empresários e graduados agentes estatais na tarefa insensata de espoliar o país. Implacável? Nem tanto. As penas reais que vêm sendo aplicadas aos grandes empresários corruptos e corruptores, com os benefícios da delação premiada e as demais benesses de nosso sistema penal, não condizem com a gravidade dos crimes que cometeram. Quanto à definitiva punição dos políticos corruptos, ainda passará muita água debaixo da ponte. Com tantos delatores, parece que não sobrarão delatados para sofrer os rigores da lei na sua inteireza.

A importância do trabalho dos atores da Lava Jato, apesar de alguns excessos pontuais, é inestimável. Talvez seja a primeira vez que a tentativa de desmontar a corrupção sistêmica entranhada historicamente em nossa estrutura sócio-política tenha chegado tão longe. Mas apesar do seu mérito de dar a conhecer a dimensão descomunal da fraude que tem sido o exercício do poder nesse país e recuperar parcela dos prejuízos que a nação brasileira sofreu, o gigantismo da investigação corre o risco de perder o rumo e acabar num beco sem saída. Afinal, se a bandalheira sempre foi a rotina de nossas elites - política e empresarial - e se envolve toda a elite político-econômica, o que fazer?

Colocar a todos na cadeia? Nenhuma Lava Jato chegará a tanto. Como n'O Alienista de Machado de Assis talvez se chegue à conclusão de que os loucos são os procuradores e o juiz Moro, modernos Simões Bacamarte ou quem sabe quixotes lutando contra moinhos de vento.

O milk-shake da Lava Jato poderá acabar bebida rala se a população não se mobilizar. Meio shake, meio quixote ou, se preferirem, meia pizza. Uma possível recuperação da economia, que tornará todo mundo mais feliz - povão e elites dirigentes -, poderá abrir espaço para um grande acordão destinado a livrar a cara da elite política. Num contexto de economia em expansão, a pilhagem do país já não parecerá tão indecente e revoltante. Quem conhece um pouco da história desse país e suas elites sabe que o cinismo da real politik geralmente acaba falando mais alto.

2016, coincidentemente, comemorou os quatrocentos anos da morte de dois gênios da humanidade - Cervantes e Shakespeare. Irônica coincidência. O país, estarrecido,

assistiu a tragédias e tragicomédias dignas do bardo inglês, a trapalhadas e delírios que

fariam inveja ao cavaleiro de triste figura e seu impagável escudeiro Sancho Pança. A podridão do reino da Dinamarca brasileiro está sofrendo um bom abalo. Mas provavelmente não será totalmente lancetada, nenhum Hamlet seria capaz de consegui-lo. Entre meio shake, meio quixote, e meia pizza, o Brasil certamente será melhor por uns bons anos. É o mínimo que podemos esperar. Se isso não ocorrer, resta-nos consolarmo-nos com a releitura de Cervantes e Shakespeare - eles nunca nos decepcionam.

José Benjamim de Lima - [email protected]

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