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Quarta-feira de cinzas

COLUNISTA - Por José Benjamin de Lima

José Benjamim

  • 19/02/18
  • 10:00
  • Atualizado há 322 semanas

À memória de meus irmãos Nerci e Francisco

Na minha experiência de criança e jovem, um ano era uma eternidade. Não sei se ainda é assim com as crianças e jovens de agora. É possível que a percepção da passagem do tempo tenha mudado na época atual, em que tudo parece muito acelerado.

O ano parecia não acabar nunca. Semanas e meses custavam a passar. A vida escolar era muito gostosa, alternando-se com a vida familiar, proporcionando enriquecimento pessoal, diversão e amadurecimento. Muitos chegavam a se aborrecer com o longo tempo de férias escolares. Parávamos no final de novembro e só voltávamos em março! Três longuíssimos meses afastados da camaradagem da escola, dos estudos e das brincadeiras nos pátios, às vezes com bastante "bulliyng", na maioria das vezes superado sem grandes traumas.

À medida que chega o envelhecimento, a experiência da passagem do tempo muda radicalmente. Os dias, os anos, passam cada vez mais rápidos, desesperadamente rápidos, aterrorizantemente rápidos. "Diante de coisa tão doída / - diz-nos o poeta Cassiano Ricardo em "Relógio" - Conservemo-nos serenos / Cada minuto da vida / Nunca é mais, é sempre menos". E mais à frente acrescenta: "Desde o instante em que se nasce / Já se começa a morrer."

Objetivamente, essa é uma verdade cruel que não se pode negar. Mas no plano subjetivo, parece que na infância e na mocidade a sensação dominante é a de que cada minuto de vida é um mais, não um menos. O relógio da vida se abre para um horizonte tão distante que parece a eternidade. É só com a velhice que vem, para nosso desespero, a realidade incômoda de que "cada minuto de vida / nunca é mais, é sempre menos".

Num poema sublime, T. S. Eliot observa: "À medida que envelhecemos o mundo se torna mais estranho, mais intrincada essa questão de distinguir mortos e vivos". A experiência do envelhecimento, sob certos aspectos, é exatamente isso, caminhar entre vivos e mortos, como se fôssemos um Pedro Páramo na sua fantasmagórica Comala, desnorteados, chorando nossos mortos, procurando nosso resto de caminho, nosso rosto final, e, quem sabe, nosso pai.

Admiráveis são aqueles que conseguem rimar velhice com tranquilidade e se deixam levar, leves e desarmados, cada dia, como se ainda tivessem a eternidade à sua frente. Invejo sua sabedoria e serenidade.

Mas às vezes tenho dúvidas se a propalada sabedoria e serenidade da velhice é uma conquista da experiência ou um autoengano necessário. Acredito mais na segunda hipótese, e torço com todas as forças para conseguir assumi-la o quanto antes. Ou, como diz o Pregador: "Antes que se rompa o fio de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto à fonte, e se desfaça a roda junto ao poço" (Eclesiastes, 12, 6). As cinzas da quarta-feira e as angústias da quaresma certamente seriam mais doces. ([email protected])

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