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Lei Maria da Penha: depois de 12 anos ainda falta coragem

COLUNISTA - Mayra Vieira Dias

*Mayra Vieira Dias é sócia do escritório Yamazaki, Calazans e Vieira Dias e membro do Comitê Combate

  • 08/08/18
  • 19:00
  • Atualizado há 294 semanas

Maria da Penha Maia Fernandes, no ano de 1983, sofreu dois atentados por seu próprio marido. No primeiro, levou um tiro nas costas enquanto dormia o que a deixou paraplégica. E no segundo, ainda em recuperação, o marido tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.

Após o segundo atentado, Maria da Penha decidiu se separar. Foram anos de luta para provar a culpa de seu agressor. Por mais de 15 anos o processo não teve solução, até que Maria da Penha resolveu denunciar o país ao Centro de Justiça, ao Direito Internacional (CEJIL) e ao Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) a Comissão Internacional de Direitos Humanos.

Com muita luta, não só para solução do seu caso particular, mas engajada no combate à violência contra a mulher, conseguiu que fosse decretada pelo Congresso Nacional a Lei 11.340/2006. A lei que leva seu nome, Maria da Penha, foi sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006 e entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006.

Esta lei mudou a forma como se tratava a violência doméstica no Brasil, propondo medidas para a punição dos agressores e para a proteção das mulheres vítimas de violência. Desde então, há uma luta constante não só com relação à devida aplicabilidade da Lei, mas principalmente em encorajar as mulheres vítimas de violência doméstica, bem como toda a sociedade a denunciar os agressores e exigir que a Lei se cumpra.

Embora existam várias conquistas após a vigência da Lei Maria da Penha, a efetividade na solução deste problema social ainda é inócua e carece de alternativas eficazes para ser atingida. Isto porque a sociedade não foi educada a encarar a violência doméstica e familiar como um problema social e, principalmente, como um ato criminoso.

Vale ressaltar que a violência doméstica e familiar é somente uma das formas de violência contra a mulher. A Lei Maria da Penha classifica os tipos de violência contra a mulher nas seguintes categorias:

1. Violência patrimonial: entendida como qualquer comportamento que configure controle forçado, destruição ou subtração de bens materiais, documentos e instrumentos de trabalho, violência sexual, violência física, violência moral e violência psicológica.

2. Violência sexual: engloba os atos que forcem ou constranjam a mulher a presenciar, continuar ou participar de relações sexuais não desejadas, com intervenção de força física ou ameaça.

3. Violência física: compreendida por maneiras de agir que violam os preceitos a integridade ou a saúde da mulher.

4. A violência moral: entendida como qualquer conduta que represente calúnia, difamação e/ou injúria.

5. Violência psicológica: entendida como qualquer comportamento que cause à mulher um dano emocional, diminuindo sua autoestima, causando constrangimentos e humilhações

Em grande parte das vezes a violência doméstica e familiar se inicia com a violência psicológica, que contribui para a perda gradativa de sua autoestima e confiança, até chegar ao ponto de perder por completo sua dignidade e ao exagero de acreditar que é merecedora e única responsável por todo o mal que vem sofrendo, se tornando extremamente submissa às vontades de seu agressor, na maioria das vezes seu próprio companheiro, e se submetendo a espancamentos, violência sexual, patrimonial e moral.

Com a autoestima degradada, a mulher acaba aceitando toda humilhação como um castigo merecido e se omite, preferindo o sofrimento a correr o risco de ser julgada perante a sociedade.

A sociedade por sua vez, tendo intrínseca a tradição machista que por séculos embasa a cultura no Brasil, também prefere se omitir a se expor, afinal foi educada a acreditar que "em briga de marido e mulher não se mete a colher" ou pior ainda, tem a crença em que "ele não sabe porque está batendo, mas ela sabe porque está apanhando".

A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez uma pesquisa com 83 países sobre o assassinato de mulheres. Nesse ranking o Brasil ocupa a 5.ª posição com uma taxa de 4,8 homicídios de mulheres a cada 100 mil, o que leva à conclusão que a lei por si só não é suficiente para cessar as agressões e outras violências contra a mulher.

Esse é um indicador que os índices do país são excessivamente elevados (Mapa da Violência, 2015);

- Entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. As mulheres negras são ainda mais violentadas, entre 2003 e 2013, houve aumento de 54% no registro de mortes, passando de 1.864 para 2.875 nesse período. Muitas vezes, são os próprios familiares (50,3%) ou parceiros/ex-parceiros (33,2%) os que cometem os assassinatos;

- No Brasil, 4.606 mulheres foram vítimas de homicídio no ano de 2016, portanto, 12 mulheres foram assassinadas a cada duas horas. Mas, apenas 621 casos foram classificados como feminicídios, demonstrando as dificuldades no primeiro ano de implementação da lei do feminicídio, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017);

- Em números absolutos, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017), o Brasil teve 49 mil casos de estupro em 2016, o que corresponde a uma taxa de 24,0 para cada grupo de 100 mil habitantes nesse ano.

- Em relação à violência doméstica e familiar contra a mulher o Relógio da Violência do Instituto Maria da Penha aponta que a cada 2 segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil.

Como dito, a Lei Maria da Penha, isoladamente, é insuficiente para cessar a violência contra a mulher. Há a necessidade de propor verdadeira educação à sociedade como forma de minimizar e quem sabe um dia zerar o número de casos de violência doméstica e familiar e, há a necessidade de esclarecer, com o intuito de empoderar /encorajar a mulher a se posicionar como Ser em igualdade com o homem.

Toda mulher deve entender que nada nem ninguém, independente do cenário e da condição que se encontre, tem o direito de roubar o seu direito ao respeito e dignidade. Toda mulher deve criar coragem de se reconhecer num estado de violência e denunciar seu agressor.

O encorajamento da mulher e a conscientização da sociedade, de que a mulher jamais é culpada ao ponto de merecer ser humilhada, violentada ou espancada por seu companheiro ou por quem quer que seja, e a aplicação imediata da Lei Maria da Penha, com implantação de postos de atendimento com profissionais preparados e especializados para o atendimento da vítima, são pontos primordiais para a efetividade no combate à violência contra a mulher.

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