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Fatos e boatos

José Benjamim

  • 29/07/15
  • 13:00
  • Atualizado há 455 semanas

"Quem julga pelo que ouve, e não pelo que conhece, é orelha e não juiz." (Quevedo)

Na vida social nem sempre interessa o fato, o que verdadeiramente aconteceu. Muitas vezes, o que acaba prevalecendo e circulando como se verdade fosse é o boato. Por sua obra, fatos são destorcidos, mentiras tornam-se verdades, reputações são gravemente atingidas. A força social dos boatos é inegável, desde o tempo das fofoqueiras de janela que bisbilhotavam a vida alheia e sempre acrescentavam algo mais ao que seus olhos viam. Agora, com Internet, redes sociais, comunicação em tempo real e facilidade de anonimato, os boatos se multiplicam e se espalham a uma velocidade vertiginosa, com potencial de causar imensos dissabores e prejuízos a suas vítimas. Estudo feito pela Escola de Computação Interativa, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, Atlanta, nos Estados Unidos, revela que uma em cada quatro notícias no Twitter é falsa (Folha de São Paulo, 20/06/2015, Caderno Mercado I, página A28).

Por que pessoas se dedicam à ignóbil tarefa de inventar e espalhar boatos? Por que a boataria, às vezes sem pé nem cabeça, que se alastra nas conversas sociais, na mídia, nas redes sociais, faz tanto sucesso? A questão é complexa e deita raízes na própria condição humana, suas fraquezas e vícios. Existem vários tipos de propagadores de boatos - desde os que querem tirar tortamente algum proveito, psicológico ou real, até os que pretendem apenas ver o circo pegar fogo. Muitos estão a serviço de uma ideologia ou causa, outros buscam compensar suas frustrações ou, simplesmente, manifestar seu ódio. Para Cass Sustein, estudioso da matéria, boatos são "alegações de fatos - sobre pessoas, grupos, acontecimentos e instituições - que ainda não foram comprovados, embora passem de uma pessoa para outra e, portanto, tenham credibilidade não porque se conheçam evidências diretas para corroborá-los, mas porque parece que outras pessoas acreditam neles" (A Verdade sobre os Boatos, Elsevier, 2010, p. 7).

Uma das razões pelas quais acreditamos em boatos e contribuímos para sua circulação, sem o cuidado de verificar sua procedência, é que certos boatos vêm ao encontro de nossas crenças e preconceitos. Funcionam como uma confirmação e reforço de nossas convicções prévias. Se detestamos uma pessoa, tendemos a aceitar como verdadeiro e a divulgar qualquer boato que lhe diga respeito. Se gostamos de alguém, haverá resistência em dar crédito a qualquer notícia negativa a seu respeito, mesmo que seja verdadeira. Isso vale também para ideias, crenças religiosas ou políticas, times de futebol e tudo o mais. Conforme anota Sustein, "acreditar ou não em um boato depende, em parte, de como aquele boato se encaixa no que você já sabe" (p. 26). Outra razão é o fato de nosso conhecimento das coisas raramente ser direto, de experiência própria. Assim, somos levados a acreditar no que outras pessoas dizem, e se várias delas estão dizendo que alguém é culpado de atos terríveis, tendemos a crer que o boato não teria nascido e prosperado sem alguma base factual verdadeira. Subliminarmente, ou não, atua aqui o ditado popular - onde há fumaça, há fogo.

Mecanismos sociais e legais inibitórios são cada dia mais necessários, diante das facilidades cada vez maiores de disseminação de boatos. A melhor vacina contra boatos é a reflexão cautelosa sobre o conteúdo de verdade de cada fato que nos vem ao conhecimento. Mas pensar dá trabalho e é tão cansativo!...

José Benjamim de Lima

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