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Ataque em nome da fé

  • 23/02/13
  • 09:00
  • Atualizado há 578 semanas

Luís Carlos Alves de Melo *

Nas últimas semanas, determinado vídeo circulou pela internet, e ainda circula, com a fala de um famoso líder de uma denominação evangélica do Brasil, proferida durante um programa de TV de grande alcance, causando certo desconforto e grandes discussões sobre vários assuntos, dentre os quais a homossexualidade. Sua fala poderia ter passado despercebida à luz dos atuais acontecimentos no mundo; porém, foi tomada como afronta por toda a comunidade LGBT (acrônimo de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) e por seus simpatizantes que caracterizaram como infeliz e preconceituosa a fala do referido pastor. Diante disso, algumas questões parecem ter tomado uma dimensão maior, fazendo-nos refletir sobre até que ponto a religião tem o poder incontestável de ditar o que é certo ou errado? E até que ponto podem esses ditos servos do senhor se utilizar do nome de Deus em prol de seus discursos?

Polêmico é talvez o adjetivo que melhor caracterize o assunto do qual falaremos e que, de certa forma, apresenta os mesmos problemas no mundo inteiro e que se arrasta por milhões de anos. Antes mesmo de Jesus andar pelo mundo, se é que ele andou, isso eu não posso afirmar, já existiam as práticas homossexuais. Mesmo em seu tempo e depois dele, os homossexuais circulavam tranquilamente, como cidadãos comuns, que, na verdade, é o que eles são. Na Grécia, por exemplo, era rotineira a prática homossexual entre homens, já que a mulher era exclusivamente para destinada à reprodução. No entanto, os senhores deveriam exclusivamente estar na condição de ativos, já que o ser passivo era motivo de vergonha, submissão, fraqueza. Em Roma, também não era diferente, os escravos, assim como na Grécia, eram usados em práticas homossexuais livremente por seus senhores, o que era permitido, uma vez que, para todos, eles eram seus donos.

O fato de ser homossexual não determina o caráter de ninguém, uma vez que estudos recentes apontam que a homossexualidade não é, necessariamente, um comportamento, mas um fenômeno genético. O caráter de alguém está definido por suas ações, pela educação que ele recebeu e pela forma como seus pais abordaram determinados assuntos.

Diferentemente do que afirmam alguns, o homossexual é alguém igual a qualquer pessoa, cuja única diferença é que enfrentará muito mais dificuldades na vida do que um heterossexual. Por esse motivo, grande parte dos pais ainda tem um choque ao se deparem com tal situação dentro do seu lar, não porque não aceitem a orientação dos filhos, mas porque temem por suas vidas diante desse mundo ignorante.

O discurso de que a religião está ai para assegurar a moral e os bons costumes já caiu, em certo sentido, por terra há tempos, uma vez que alguns desses religiosos a perderam e, também, porque viver eticamente não é exclusividade de quem segue forçosamente uma religião. Dizer que estão condenando um homossexual em nome da fé é o mesmo que afirmar que quando molestam ou abusam sexualmente também estão o fazendo em nome da fé. Muitos devem estar surpresos com o discurso que aqui está sendo feito; porém, digo-lhes que se trata apenas de uma opinião, que não deve ser levada como afronta à religião. E também não há motivos para generalizar. Devemos sim tomar cuidado com a fala desses homens falhos e pecadores que se auto-intitulam líderes religiosos. Precisamos atentar para o seguinte: Hitler também era um líder, tinha o dom da palavra e foi o causador dos grandes e mais terríveis massacres da história.

É assustador o número de pessoas que acreditam piamente no que esses líderes dizem, fazendo uso não só de suas ideologias como também, de forma distorcida, da Bíblia. Obviamente que cada um tem seu direito de se expressar como quiser; todavia, esse direito é limitado ao seu próprio pensamento, ou seja, você pode pensar o que quiser desde que não atinja nenhum principio da ética e do direito, nem prejudique os outros. A bem da verdade, torna-se inevitável que reconheçamos que a Bíblia, como qualquer outro documento traduzido e antigo, é passível de ser interpretado distintamente, e não deve, em minha opinião, ser instrumento de embasamento de alegações infundadas e opiniões pessoais.

Do mesmo modo e deixando a hipocrisia de lado, pelo menos pelos próximos cinco minutos, está na hora de reconhecer que infelizmente, para alguns, e isso friso demasiadamente, que o nome de Deus tornou-se, em mãos inescrupulosas, um dos negócios mais lucrativos da atualidade. Parece contraditório negar direitos iguais a pessoas tão comuns como qualquer outra e, em determinados casos, até melhores. É claro que não se pode transformar isso em uma ferramenta de separação do povo, em uma espécie de Torre de Babel moderna.

Com efeito, é assustador como grandes lideres religiosos, "não sei de quem", lançam suas falas cheias de argumentos bíblicos desvirtuados para embasar seus conceitos preconceituosos, quando boa parte desses "renegados do cristo deles" é quem sustenta os luxos e sinuosos templos religiosos em todo o mundo. Nessa altura do campeonato, citações bíblicas, como "Amai-vos uns aos outros" e "Não julgues o teu próximo", parecem ter ganhado um novo apelo religioso que semelha aos discursos ditatoriais de uma época, em que cada um usa do ataque em nome dá fé, e, o pior, em nome de Deus.

Há, de fato, mais mistérios entre o céu e a terra do que os nossos olhos podem ver. Mistérios esses que envolvem não só o pensamento ideológico de cada um, como também as crenças introduzidas pelo pensamento religioso. Obviamente que não posso eu afirmar a existência de um céu ou um inferno, na mesma proporção que não posso dizer para qual deles cada um de nós vai; no entanto, se o inferno existe e for o mar de chamas que muitos afirmam, que o administrador de lá seja piedoso com quem propaga o preconceito.

* Luis Carlos Alves de Melo, Licenciado em Letras - Faculdade da Alta Paulista - FAP (TUPÃ - SP), Brasil. Membro do GPARA - Grupo de Pesquisas em Argumentação e Retórica Aplicadas - Universidade Federal de Sergipe (SERGIPE - SE). Autor dos seguintes artigos: A literatura e os meus avós (2011), A favor de uma verdadeira nova escola (2011), Na mira do Saresp (2011), Manchas de pólvora na Roseira e no Capim (2012), publicado na Gazeta de Notícias da Guiné-Bissau. Autor da pesquisa relacionada à Saliatu da Costa, jovem poetisa da Guiné-Bissau.

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