Crônica do choro e da chuva
COLUNISTA - José Benjamin de Lima
Antes de mandar entrar a próxima pessoa a ser atendida, levanta-se da mesa e vai até a janela.
Percebe as pessoas andando apressadas na rua. O vento forte inclina os galhos das árvores.
Nuvens ameaçadoras, incrivelmente baixas, parecem prestes a cair sobre os prédios. Mais ao
longe, relâmpagos clareiam o céu escuro. "Com certeza, a chuva não demorará a cair", pensa.
Enquanto retorna à escrivaninha, voltando a sentar-se, diz à auxiliar que chame o próximo.
Introduzida pela Oficial de Promotoria, a mulher senta-se a sua frente. Nos traços de seu rosto
magro e maltratado pela vida e pelo tempo, vislumbra restos de uma longínqua beleza.
Cumprimenta-a e pergunta-lhe qual é o seu problema.
A mulher fica em silêncio alguns segundos, e, olhando-o, de repente abaixa a cabeça sem nada
dizer e põe-se a chorar. Chora silenciosamente por um bom tempo e quando se controla diz
"Nem sei porque vim até aqui, o senhor não pode fazer nada por mim, não é doutor? " "Minha
senhora, é preciso que me diga o que está acontecendo; se não disser porque veio falar
comigo fica difícil dizer se posso ou não fazer alguma coisa para ajudá-la". "É que eu sei que o
meu caso não tem solução".
Lá fora, a natureza se rebela. A chuva fustiga com violência as vidraças, ao compasso dos
trovões. A mulher, agora mais calma, começa a dizer que o marido a abandonou, levado por
outra, deixando-lhe os filhos, quatro, todos crianças, e nenhum dinheiro. Nunca trabalhou fora
e não tem qualquer renda, nem parentes em condições de ajudá-la, os únicos que tem vivem
no interior do nordeste . Não sabe o que fazer. Será que a lei pode obrigar o marido a pagar
pensão alimentícia para ela e as crianças? Sim, ele é obrigado por lei a dar assistência à família.
A senhora sabe onde ele está? Esse é o problema, doutor. Ele sumiu no mundo. Ninguém sabe
dizer onde está, para onde foi. Nenhuma notícia sobre o seu paradeiro? Nenhuma, nada. Nem
os parentes dele sabem. Desapareceu da noite para o dia. A outra também.
Assim fica difícil, minha senhora. Sem saber seu paradeiro atual, qualquer ação judicial que se
promova contra ele esbarrará na sua não localização. Vamos pegar suas declarações e propor
uma ação de pensão alimentícia, mas ela só produzirá algum efeito quando ele for encontrado.
Vamos processá-lo também por crime de abandono material da família, mas o processo só terá
continuidade quando o encontrarmos. Antes disso, a justiça fica de mãos amarradas,
infelizmente. Por ora, o que posso fazer é encaminhá-la para a assistência social da Prefeitura
Municipal com um ofício da Promotoria, solicitando que a ajudem da forma que for possível. O
senhor pode me fazer isso? pergunta esperançosa. Posso, mas não garanto que vão lhe ajudar.
Se não conseguir nada, volte aqui, para tentarmos outros caminhos.
Com o ofício em mãos, um pouco menos desesperada, a mulher agradece e sai rapidamente. A
chuva continua a cair. Violenta, torrencial. A ventania dobra os galhos das árvores, que se
retorcem. Da janela do gabinete, ainda vê a mulher, lá embaixo, frágil, caminhando
apressadamente, quase correndo, fustigada pela chuva e pelo vento, o corpo meio curvado, no
esforço de proteger-se e segurar próxima de si a pequena sombrinha, que parece querer fugir
de suas mãos.