Buscar no site

Os limites jurídicos, éticos e sociais da autonomia do indivíduo

Jesualdo Almeida

  • 03/08/16
  • 13:00
  • Atualizado há 402 semanas

Chamou a atenção dos leitores da Folha de São Paulo de dois dias atrás a seguinte manchete: "transexual pede morte assistida se não puder mudar gênero". Um rapaz de São Bernardo do Campo, inconformado com seu estado biológico masculino, promoveu uma ação judicial de retificação de registro civil para que fosse considerada legalmente uma mulher, inclusive com a mudança do nome.

Há algum tempo que a Justiça brasileira tem autorizado a mudança de nome e gênero dos transexuais, que são aqueles cuja identidade de gênero difere daquela designada no nascimento e que procura fazer a transição para o gênero oposto através de intervenção médica, quer através de administração de hormônios, quer através de cirurgia de redesignação sexual.

Durante muito tempo tratada como transtorno mental, as cirurgias de retirada de pênis ou seios, bem como a ministração de hormônios, eram encaradas como métodos de tratamento médico. Inclusive o SUS - Sistema Único de Saúde - disponibiliza a cirurgia gratuitamente.

Deste modo, dentro da perspectiva da autodeterminação do indivíduo, tem ele o direito de definir seu gênero com liberdade, inclusive se nao for o mesmo gênero biológico de nascimento.

Com o grande filósofo Imannuel Kant, a autodeterminação, por ele denominada de autonomia, é a competência da vontade humana para, com fundamento na razão prática, escolher com liberdade as suas leis morais. É também a base da responsabilidade individual. Maria Celina Bodin de Moraes dá lição de que a "autonomia é o direito de governar-se conforme suas próprias leis e segundo sua própria vontade".

Tem-se, portanto, que a autodeterminação é a prerrogativa que o indivíduo tem de decidir o que entende ser melhor para si, inclusive no tocante à sexo, gênero e sexualidade.

Contudo, essa autodeterminação poderia gerar ao indivíduo o direito de se matar? Cada vez que um indivíduo promovesse uma ação judicial poderia lançar como pedido subsidiário: "ou o Judiciário me concede o que quero, senão quero autorização para morrer?"

Esse tipo de discurso ou de pedido judicial não encontra o menor amparo jurídico, ético, moral ou mesmo prático.

Sabe-se, a cidadania e a dignidade da pessoa humana foram guindadas em nível de fundamento da República brasileira, conforme se depreende do art. 1º. da Constituição Federal. Caminhou-se no sentido de uma maior limitação do poder do Estado e a uma proteção mais eficaz dos direitos fundamentais. O Estado existe em função e para a pessoa; não o inverso. A pessoa humana é o fim e não o meio para o Estado. A proteção ao indivíduo deve ser a proposta central de um Estado.

Contudo, nem o Estado, e tampouco o próprio indivíduo, podem dispor da vida. Trata-se de um direito indisponível. Aliás, para alguns nem direito é. Antes, seria um verdadeiro pressuposto para ter direitos.

Qualquer forma de interrupção de vida é crime, quer seja intra-uterina (aborto), quer sem intenção (homicídio culposo), ou mesmo em razão de comoção circunstancial (eutanásia, que se pune na modalidade de homicídio privilegiado).

A pós-modernidade nos revelará casos cada vez mais pitorescos, de difícil solução, cuja resposta demandará um diálogo de conhecimentos (medicina, direito, filosofia, sociologia, política...).

Porém, por mais que o Direito possa assumir um papel emancipatório (no sentido de uma busca de transformação da sociedade), há alguns dogmas centrais "duros", que não admitem concessão. Entre eles, a vida.

Receba nossas notícias em primeira mão!

Veja também
Mais lidas
Ver todas as notícias locais