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O Porão, a viagem pelo som que marcou três décadas da vida noturna assisense

Recorde-se, emocione-se e sinta-se em uma verdadeira volta ao passado

Redação AssisCity

  • 07/03/21
  • 09:00
  • Atualizado há 162 semanas

O ano era 1972, o mundo se preparava para passar por uma revolução cultural, o Brasil passava pelo regime militar, a seleção de futebol havia recém conquistado o tri-mundial no México e a novela Selva De Pedra era sucesso na Rede Globo. Enquanto isso, a 450 quilômetros de São Paulo, em uma pequena cidade do interior, com aproximadamente 57 mil habitantes e com uma das estações da Estrada de Ferro Sorocabana, começava uma era no entretenimento que duraria até o final do século e que, após, quase 50 anos depois ainda é motivo de lembranças e muitas histórias para Assis.

Separe suas roupas da época, fique confortável, aperte o cinto do DeLorean, prepare o lenço de papel e embarque em uma nostálgica viagem pelo som.

Tudo começou no final dos anos 60 com um time de futebol da época, o GREC, que logo virou uma escola de samba. Para guardar os instrumentos foi escolhido, um barracão no número 250 da Coelho Neto com a Cruz e Souza. O local começou a receber encontros de pessoas para curtir as noites e aos poucos se tornou um ponto de referência para a cidade. Com isso, após o fim da escola, surgiu a casa noturna O Porão. O nome, segundo um de seus fundadores,Eugênio Francisco, veio através de seu irmão Nico, que também era um dos sócios no local.

"Quando morávamos em Botucatu, tinha um porão embaixo da nossa casa e o Nico usou esse cômodo que ele adorava para colocar de inspiração no nome da boate", comentou Eugênio em entrevista exclusiva ao Portal AssisCity.

Para os frequentadores do local, que eram pessoas de toda região e até mesmo de outros estados, o final de semana só começava quando se escutava a tão aguardada "Sirene do Porão", idealizada pelo radialista Sérgio Bocca, para indicar o fim das músicas calmas e o início da festa. Porém, antes de entrarem no local para curtir grandes nomes do cenário internacional, como Michael Jackson, Abba, Roy Orbison e muitos outros, que recordaremos ao longo desta reportagem, as pessoas sempre enfrentavam filas de dois quarteirões.

Sim, para entrar na boate mais procurada da cidade e região, as pessoas ficavam em longas filas e às vezes sem a certeza que entrariam, devido a lotação. Não ache que isso fosse motivo de desconforto ou irritação, pois, na maioria das vezes, as conversas e brincadeiras começavam por ali mesmo. Ao entrarem, logo davam de cara com relógios marcando a hora de cidades como Londres, Nova York e Tokyo. Ao centro, a famosa pista de dança com seus néons e o trenzinho. Além disso, o gelo seco acionado durante as músicas, fizeram história no local.

Durante os anos 70, o Porão sempre foi um local pequeno, é verdade, como comentou o DJ residente, que representa o profissional fixo no local, da época e irmão dos fundadores do local, Wagner Francisco, que embalava o público na discoteca. Porém, por não ter casas noturnas na região, as pessoas procuravam e encontravam diversão ali mesmo.

divulgação - DJ Wagner na cabine de som - Arquivo Pessoal Wagner
DJ Wagner na cabine de som - Arquivo Pessoal Wagner

"O Porão tinha apenas uma pista central que era pequena para o tanto de gente que recebia. A princípio era algo para cidade, mas deu tão certo que tivemos que fazer uma grande reforma." comentou, Wagner, que até hoje é reconhecido por seu trabalho.

Em 1978, uma produção global fez com que o Porão ganhasse ainda mais fãs. A novela Dancin' Days, que tinha o grupo As Frenéticas como trilha de abertura, além de Antônio Fagundes e Sônia Braga como personagens principais, focava no universo das casas noturnas. Resultado, filas de dois quarteirões na entrada da casa e o início de uma era de lazer em Assis.

Foi então, em meados de 1979, que os sócios resolveram que aquele era o momento da tão necessária reforma. Após meses de obras, assisense curiosos para saber como seria o novo local, o Porão foi reinaugurado com 5 ambientes, sendo, uma ampla área externa e uma cabine para os DJs. Além disso, Nico conseguiu melhorar algo que já era um dos destaques do local, a qualidade do som.

Outro ponto que o Porão sempre foi destaque, eram os lançamentos musicais. Muitos podem não acreditar, mas durante todos esses anos de sucesso, a casa chegou a lançar hits e videoclipes muito antes de grandes emissoras da época, como a Jovem Pan.

"Nós tínhamos amigos em países como a Alemanha e assim que saiam os discos, eles nos enviavam. Ou então, íamos para São Paulo, na data que os LPs chegavam, comprávamos e já deixávamos tudo pronto para tocá-los no final de semana.", comentou Wagner, de maneira orgulhosa.

Já no final da década de 80, no auge dos passinhos, quem comandou e marcou época nas picapes foi o DJ Zé Marcos. O residente da casa comentou em entrevista exclusiva ao Portal AssisCity que sua estreia foi em março de 1988 e lembra até hoje, com clareza, da primeira música que tocou.

"Assim que entrei na cabine de som e vi aquela pista lotada, coloquei Always On My Mind do grupo Pet Shop Boys. O povo foi à loucura", comentou emocionado Zé Marcos.

O DJ tocou em uma época de transição tecnológica, quando os discos de vinil, fitas cassete e toca fitas de rolo começaram a ser substituídos pelos CDs, na década de 90. Esse avanço trouxe ao porão uma outra novidade que fazia sucesso na casa, os videoclipes.

"No início dos anos 90, o Nico trouxe projetores e instalou televisões ao redor do porão para que as pessoas pudessem acompanhar lançamentos de clipes. Esse era o único momento da noite em que a pista parava e as pessoas ficavam focadas acompanhando", relembrou o nostálgico Zé Marcos.

O local tinha suas tradicionais festas que ocorriam de sexta e sábado das 23 até 4 da manhã e no domingo, das 20 até meia noite, sendo essa sem venda de bebida alcoólica por liberar a entrada de jovens a partir dos 12 anos. O Porão também realizava eventos temáticos, como a Festa do Queijo e Vinho, Réveillon, Baile do Hawai e também a Festa do Cowboy.

Além de muitas músicas, danças e momentos de descontração, o Porão também foi palco do início de muitas paqueras que posteriormente viraram casamento. Um desses casais que se conheceram em uma noite no local, foi Paulo Martinez e Roberta Marques, no ano de 1988. O momento, além do primeiro beijo do casal, foi digno de uma previsão feita por ele a um amigo, que se tornou realidade.

divulgação - Paulo e Roberta durante a Festa do Cowboy - Arquivo Pessoal Roberto
Paulo e Roberta durante a Festa do Cowboy - Arquivo Pessoal Roberto

"Eu estava andando por lá com um amigo e vi a Roberta na pista de dança e naquele momento disse que ia lá conversar com ela e disse também que ia me casar com aquela mulher. Cheguei jogando meu charme com cigarro nos dedos e aquela moça, tirou o cigarro dos meus dedos e jogou no chão. Depois disso conversamos e fomos nos conhecendo e nos casamos em um ano. Mesmo depois de casados íamos juntos ao Porão", disse Paulo Martinez de maneira feliz com muita nostalgia ao relembrar a importância do local em sua vida.

Você se recorda que no início do texto foi dito que o porão recebia pessoas de diversos locais, até mesmo de outros estados? Quem nos contou um fato interessante foi a assisense Martha Cordeira, que tinha primos em Curitiba que muitas vezes eram perguntados sobre a boate por moradores da capital paranaense.

"Meus primos de Curitiba em muitas situações que comentavam que tinham parentes em Assis, logo eram perguntados sobre o Porão. Era um local que fazia sucesso até mesmo fora da região." comentou Martha, que se recorda daqueles finais de semana de festas principalmente pelos pagodes dos anos 90 e pelo ambiente alegre onde raramente presenciava discussões e nunca viu uma briga.

Quem também frequentou o Porão nos anos 90, próximo do seu fechamento, foi a publicitária Cristiane Altera, que até hoje guarda fichas do Réveillon de 1993. Segundo ela, o Porão era onde os jovens iam para se divertir e ver os clipes.

divulgação - Fichas do Réveillon - Arquivo Pessoal Cristiane Altera
Fichas do Réveillon - Arquivo Pessoal Cristiane Altera

"Recentemente encontrei essas fichas guardadas com alguns cadernos que seriam jogados fora. Porém, por toda história do local, não podia simplesmente descartar algo tão raro. Lembro que na adolescência íamos lá para paquerar, se divertir e ver clipes", comentou Cristiane, que se recorda até hoje de sua música favorita da época "I drove all night", na versão da cantora Cyndi Lauper.

Essas são algumas das infinitas histórias que os frequentadores da casa noturna mais famosa da região, que em 1998 encerrou suas atividades semanais e que recebia apenas eventos fechados que duraram até 2014 quando a família que possui os direitos do terreno decidiu que era hora de finalizar o funcionamento da casa, guardarão para sempre em suas memórias.

Atualmente, os batimentos e a pulsação que davam vida ao Porão não existem mais da maneira que conhecíamos, apenas de forma virtual através do YouTube. O que se vê no número 250 da Rua Coelho Neto com a Cruz e Souza é um gigante de cor preta que resiste contra o tempo. Sua fachada, que ainda possuí o agora desgastado letreiro "Sempre Jovem", não é mais aquela que trazia alegria para quem frequentava, mas que seguirá como uma confortável lembrança para quem por ali passa.

Confira mais imagens do Porão:

divulgação - DJ Zé Marcos na cabine de som - Arquivo Pessoal Zé Marcos
DJ Zé Marcos na cabine de som - Arquivo Pessoal Zé Marcos

divulgação - DJ Wagner na cabine de som - Arquivo Pessoal Wagner
DJ Wagner na cabine de som - Arquivo Pessoal Wagner

divulgação - Casal Lucinéia e Marco Antonio durante festa no Porão - Arquivo Pessoal Lucinéia Santos
Casal Lucinéia e Marco Antonio durante festa no Porão - Arquivo Pessoal Lucinéia Santos

divulgação - Decoração Baile do Hawaii - Arquivo Pessoal Zé Marcos
Decoração Baile do Hawaii - Arquivo Pessoal Zé Marcos

divulgação - Fichas do Porão - Arquivo Pessoal Zé Marcos
Fichas do Porão - Arquivo Pessoal Zé Marcos

divulgação - Pista de dança do Porão - Foto: Recordações Assisenses
Pista de dança do Porão - Foto: Recordações Assisenses

divulgação - Funcionários do Porão - Foto: Grupo Memória Fotográfica Assisense
Funcionários do Porão - Foto: Grupo Memória Fotográfica Assisense

divulgação - Pista de dança no Baile do Hawaii - Foto: Arquivo Pessoal Wagner
Pista de dança no Baile do Hawaii - Foto: Arquivo Pessoal Wagner

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