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O malandro Madureira a caminho do circo

COLUNISTA - Por Niva Miguel

Niva Miguel

  • 05/02/18
  • 11:00
  • Atualizado há 324 semanas

Durante a semana, Madureira não deixava a peteca cair, o negão acordava todos os dias bem cedo, fazia sua marmita e saia para o batente. Labutava das oito da manhã até às cinco da tarde, sempre cantando ou assoviando um samba e, sempre que podia, também tinha um olho na rua, as vezes os dois, para ver o movimento. Ele era pintor de parede.

Desde que Madureira presenciou uma roda de samba na V.O, esteve no Rio de Janeiro, em uma excursão, e conheceu algumas quadras de Escolas de Sambas, ele achou, não se sabe porquê, que havia virado um malandro de primeira. Por lá ele comprou o figurino: um terno branco de linho, que ele dizia que foi feito por um sambista alfaiate famoso, mas..., uma camisa branca também de linho, sapato de cromo alemão de duas cores, preto e branco, meias brancas, gravata e lenço vermelho e até um chapéu panamá, veio no pacote. Porém, esse traje só era usado em ocasiões especiais.

Então, naquele domingo, quando ele soube que um conhecido grupo de sambistas cariocas estariam se apresentando na cidade na próxima sexta-feira, ele se animou. Tirou o traje do guarda roupa, dispensou a lavadeira habitual e o mandou para o tintureiro, com recomendações: "quero tudo passado e engomado, principalmente, engomado. Tem que estar pronto na sexta, às cinco da tarde, certo?". Até pagou adiantado pelo serviço. Os sapatos, ele mesmo engraxou no maior capricho.

Por causa da ida ao tintureiro, o agora, malandro Madureira, chegou um pouco atrasado para trabalhar, na segunda. E, assim, na primeira oportunidade que teve, chamou o patrão para uma conversa em particular. O patrão achou que ele iria se explicar pelo atraso, mas que nada. A conversa foi bem outra. Madureira lhe contou uma história que ele quase chorou. Entre outras coisas, ele disse:

- Na sexta-feira vou precisar sair mais cedo, às quatro. Tenho um compromisso às cinco que não posso faltar de jeito nenhum. Também vou precisar que o senhor aumente o meu vale essa semana, estou precisando de um dinheiro extra.

Diante da história, da choradeira e, conhecendo o malandro, o patrão concordou. Daí pra frente, o malandro Madureira estava numa alegria só. Por isso, assoviou e cantou esses dias todos os sambas que ele sabia do grupo, ninguém conseguia ficar perto dele. Mas ele não estava nem aí.

Finalmente a sexta-feira chegou, esse dia ele acordou mais animado ainda e, como de costume, foi para o trabalho. Só que dessa vez, só o corpo estava presente, porque a mente, já estava no samba de logo mais à noite.

Às quatro em ponto, o malandro Madureira estava na porta do escritório esperando pelo vale, com um sorriso de orelha a orelha, que não demorou a sair. Assim que pegou o dinheiro, ele se mandou direto para o tintureiro.

A essa altura, como que incorporado por não se sabe o quê, o malandro Madureira parecia outra pessoa. Tanto que chamou um taxi, sentou-se no banco de trás, falou para o motorista o endereço da tinturaria, abriu um jornal e começou a ler como quem lê jornal todos os dias.

De posse do seu mais valioso tesouro, Madureira rumou para o seu chatô, como ele costumava se referir a sua moradia. Mas, na verdade, era uma casinha de três cômodos em uma vila, que ninguém sabia direito onde ficava. O malandro era cheio de mistérios!

Assim que entrou, colocou cuidadosamente o terno em cima da cama, colocou um samba pra tocar em um volume considerado, preparou um uísque com gelo e, solitário, jantou. Depois, ele caprichou no banho, tanto que saiu do banheiro renovado. Sentindo-se até um pouco mais jovem, mais bonito, mais tudo.

Pronto para sair, deu mais uma borrifada do perfume, conferiu se estava tudo certo com o traje, parou diante do espelho e não resistiu:

- Diga espelho meu, existe alguém mais bonito do que eu?

E, ele mesmo respondeu, é claro. Não!

O samba e o 1º amor

Assim, o malandro Madureira saiu do chatô rindo à toa e caminhando com passos lentos e cadenciados, andava como quem pisa em flores. Tudo isso para não sujar os sapatos. Foi até uma via movimentada a procura de um taxi, mas tinha que ser um carro de presença. Dispensou alguns e deu sinal para aquele que ele achou ideal. Dessa vez foi no banco da frente conversando com o motorista.

Para impressionar logo na chegada, decidiu que iria parar em frente ao local do evento. Devido ao movimento foi difícil chegar, mas era tudo que ele queria. Um monte de gente para ver a sua chegada. O taxi parou, ele pagou com uma nota de R$ 100,00, abriu a porta, colocou primeiro o pé direito para fora, depois o esquerdo. Isso para que todos vissem os seus sapatos. Ficou ereto, deu uma arrumada no paletó, abriu um sorriso moderado e caminhou cumprimentando a todos. Nem fechou a porta do taxi.

Já no salão, o malandro Madureira procurou e achou um lugar estratégico de onde ele poderia ver um pouco de tudo. Ali ele dançou com uma, com outra, com mais uma e não gostou de nenhuma. Tomou mais um gole de uísque e andou pelo salão, na esperança de que sua sorte mudasse. Antes de entrar no desespero, ele foi até o banheiro e fez uma reza para o seu santo protetor, de confiança...Só Deus sabe quem é, pois ele não fala pra ninguém dessas coisas.

Enquanto isso, do outro lado do salão, Rosa Maria, loira, 40 e tantos anos, mas dizia ter só 35, dois filhos adolescentes, e desquitada, dançava ao lado de suas amigas e de olho em tudo que acontecia ao redor. Ela também havia caprichado no figurino, estava bonita e, mais que isso, esperançosa em encontrar nessa noite o seu príncipe encantado.

O malandro Madureira sai do banheiro confiante que sua sorte iria mudar depois da reza, e não deu outra. Caminhando como não quer nada para onde estava, seu olhar, acompanhado de um galanteio, cruzou com o de Rosa Maria. Ela correspondeu. Conversa vai, conversa vem, pronto. Baita reza forte, hem! Nem esperaram terminar a apresentação e os dois partiram juntos, pareciam dois pombinhos apaixonados, que um tinha nascido para o outro, o encontro de duas almas gêmeas.

O romance prosperou, não deu nem um mês e os dois já haviam montado um lar. Aí, as coisas começaram a se complicar para o malandro Madureira. Uma briguinha aqui, outra acolá e assim foram levando. Depois de uma briga mais forte, o malandro, pra fazer as pazes, resolveu convidá-la para irem passar o Carnaval em São Paulo, tinha até onde ficar. E, assim foi, mas....

Em pleno sambódromo, o casal voltou a brigar. Sabe como é, né? Carnaval, bebidas, mulheres bonitas, pouca roupa e o malandro com o olho grande...

A briga começou lá e continuou quando chegaram no local onde estavam, primeiro foi só mais uma discussão, depois partiram pros empurrões e a coisa esquentou de vez. Rosa Maria vendo que estava em desvantagem e fora de si, pegou o primeiro objeto que viu pela frente, uma faca. O malandro se apavorou, mas não tinha pra onde correr, estava encurralado. Ela partiu pra cima dele e começou a golpeá-lo, foram vários golpes. Mas, para a sorte do malandro Madureira, foram todos nos braços e nas mãos.

Resultado: Madureira teve que passar pelo Pronto Socorro e depois pela Delegacia de Polícia para fazer um B.O. Pior, enfaixado parecendo uma múmia, teve que explicar pra todo mundo o que havia acontecido.

Claro, o romance acabou depois disso!

O samba e o 2º amor

Depois do acontecido, o malandro Madureira andou sumido, ninguém o via em lugar nenhum. Mas, assim que retirou as faixas, começou a circular como se nada tivesse acontecido. E, logo em seguida, o malando Madureira já estava em forma novamente.

Ninguém sabe de que jeito foi, em qual samba, nada de nada como o malandro Madureira arranjou a tal de Rosalina. Uma bela negra, 35 anos, de verdade dessa vez, sem filhos, e com um emprego temporário. O problema é que, além dela gostar do samba, demais, também gostava num grau abaixo de bebidas e de outras coisinhas. O malandro relevou porque ela tinha outros apetrechos que ele até chorava para ter pra si.

Contudo, sabe como é, né!? Depois de uns três meses morando juntos e muitas brigas, o malandro Madureira chegou um dia em casa depois do trabalho. Rosalina estava um pouco alterada, havia exagerado na bebida e nas coisinhas que ela gostava. A discussão começou, como da outra vez, Madureira viu o mesmo filme novamente. Rosalina com uma faca partindo pra cima dele. E ele de novo, tendo que passar pelo Pronto Socorro e pela Delegacia de Polícia. O resto dessa história de amor você já pode imaginar, né?

Passados alguns dias, tristonho e ainda enfaixado, o malandro Madureira foi procurar um amigo para poder desabafar. Na verdade, ele queria um colo. Diante do amigo ele contou toda a sua saga. Do primeiro caso, o amigo já sabia e, ficou espantado quando ouviu o segundo. Teve que segurar o riso. Mas respondeu!

- Olha, Madureira, é o seguinte: você tome cuidado, mas muito cuidado mesmo, porque desse jeito você vai acabar em um circo!

Niva Miguel é jornalista e professor,

membro do Instituto Zimbauê,

autor do livro "Além da Notícia".

[email protected]

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