Nessa democracia feérica das redes sociais, que mistura, sem cerimônia, sem critério e sem filtro, coisas sérias e futilidades, o belo e o grotesco, "fake news” com verdades, comoventes inocências com criminosas e apressadas difamações, tem predominado, ao menos no Brasil do presente, o que poderíamos denominar de discurso irado e intolerante, quando não fraudulento, qualquer que seja a linha ideológica que assuma.
Levianamente ferino, repleto de ideias feitas, apelando para xingos e palavrões, o discurso extremista que entulha despudoradamente as redes sociais, geralmente aceita como verdadeiras premissas que deveriam ser previamente demonstradas, tirando daí suas (falsas) conclusões. Apoiado em manipulação de dados, invencionices irresponsáveis ou montagens fraudulentas, é o reino da intolerância e permanente incentivo a ela. Esse tipo de discurso é muito perigoso, porque puxa para baixo a cidadania.
Num ensaio sobre a importância da arte e da literatura na educação, o crítico Northrop Frye contrapõe duas formas de discurso social: o discurso da turba e o da sociedade livre. Seu texto sugere que o discurso de uma sociedade verdadeiramente livre implica responsabilidade e esforço na direção do bom senso e do bem comum. O discurso da turba, diz ele, "representa o clichê, a ideia pré-fabricada e o falatório automático, e leva-nos inevitavelmente da ilusão à histeria” (A Imaginação Educada, p. 127).
O uso equilibrado e responsável das redes sociais pode ser importante fator de coesão social. As manifestações de afeto e amizade (ainda que oscilando entre pureza ingênua e explícito exibicionismo), o compartilhamento responsável de fatos e imagens, o diálogo educado – pelo que têm de agregador, pelo enriquecimento que proporcionam, trazem a esperança de que o discurso da turba, que hoje predomina, vazio, irado e intolerante, acabe vencido por um discurso social íntegro, verdadeiro e tolerante. Afinal, o discurso das redes sociais não tem que ser necessariamente o paraíso da mistificação e da intolerância. Mas se continuar a sê-lo, provavelmente a sociedade livre e a cidadania responsável, ou o que dela restar, acabarão se afastando delas, o que será uma pena.
José Benjamim de Lima - jblima@femanet.com.br